terça-feira, 18 de março de 2025

Como Medimos o Universo? Entendendo as Distâncias Cósmica

Como Medimos o Universo? Entendendo as Distâncias Cósmica

Por Lorran Batista Gonzaga



Um dos maiores desafios da cosmologia moderna é a medição de distâncias. saber o quão longe está uma estrela, uma galáxia, aglomerados  estão de nós pode aparentar ser fácil, mas é muito complexo. O Universo é um teatro de escalas inimagináveis: galáxias que brilham a bilhões de anos-luz, estrelas que nascem e morrem em cantos remotos do espaço, e estruturas cósmicas tão vastas que desafiam nossa noção cotidiana de distância. Mas como, exatamente, os astrônomos e cosmólogos conseguem medir algo tão intangível quanto a imensidão do cosmos? Afinal, não há réguas ou GPS capazes de alcançar as profundezas do espaço intergaláctico. Nesse artigo, vou tentar te mostrar da forma mais simples possível, alguns métodos utilizados para calcular distâncias cósmicas.

Medições de Distâncias na Cosmologia

Medir  distâncias é algo fundamental na vida cotidiana. Usamos medições o tempo todo, mesmo que intuitivamente. Medimos para ir em um mercado, para fazer uma viagem ou sair para uma festa. Saber se o seu destino é longe ou perto tem um impacto direto no seu planejamento. Para a cosmologia não é diferente. Saber a distância de um objeto, como veremos, é muito importante para o estudo do cosmos. 
Começaremos nossa abordagem por medição de objetos mais próximos onde não precisaremos considerar os efeitos da relatividade geral e da expansão do espaço-tempo. Essas medições são cruciais para a cosmologia. Podemos citar como exemplo o fato de que a constante de Hubble pode ser calculada usando os métodos de medida de objetos próximos. 


Paralaxe estelar 

A primeira medição feita com Paralexe foi no ano de 1838 quando friedrich Bessel determinou a distância da estrela 61 cygni (11,4 anos luz).A medida de paralaxe é baseada na mudança de posição de um astro visto de locais diferentes. Podemos citar aqui o famoso exemplo do dedo. Estique seu braço e  aponte para frente. feche seu olho direito e defina a posição da ponta do dedo. Após fazer isso, feche o olho esquerdo e verá que a ponta do seu dedo teve uma leve inclinação para a direita. Processo semelhante fazemos para medir distâncias cosmológicas. Fantástico! 
Na astronomia, esse efeito é ampliado usando a órbita da Terra como referência. Quando observamos uma estrela de posições opostas na órbita terrestre (com seis meses de intervalo), a estrela parece deslocar-se ligeiramente em relação às estrelas mais distantes. Esse ângulo minúsculo, chamado de paralaxe anual, é a chave para calcular sua distância.

Paralaxe- fonte:https://olhardigital.com.br/2022/09/14/ciencia-e-espaco/paralaxe-astronomica-como-medimos-as-distancias-no-universo/- MARCELO ZURITA


A distância d de uma estrela em Parsec é inversamente proporcional ao ângulo de paralaxe P medido em segundo de arco:
d (pc)=1/p

onde:

  • dd é a distância da estrela em parsecs (pc),
  • pp é o ângulo de paralaxe em segundos de arco (arcsec)
Por definição, 1 parsec corresponde à distância de uma estrela cuja paralaxe é exatamente 1″. Um parsec equivale a aproximadamente 3,26 anos-luz ou 3,086×1016 metros. Por exemplo, se uma estrela tem paralaxe de 0,5″, sua distância é 1/0,5=2 parsecs (cerca de 6,52 anos-luz).

No entanto, o método da paralaxe, por mais bonito e interessante que seja, só é eficaz para objetos relativamente próximos na Via Láctea. A razão é geométrica: quanto maior a distância da estrela, menor o ângulo de paralaxe, até que ele se torna imperceptível. A estrela mais próxima do Sol é a Alpha Centauri com paralaxe de ~0,7687.

Luminosidade Aparente 

Um dos métodos mais comuns para determinar distâncias na cosmologia se baseia na medida de luminosidade aparente. 

luminosidade absoluta (L) representa a energia total emitida por segundo por um objeto celeste, enquanto a luminosidade aparente () corresponde à energia recebida por segundo por centímetro quadrado na Terra. Para relacionar essas grandezas, assume-se que a energia é emitida isotropicamente (uniformemente em todas as direções). Em uma geometria euclidiana, imagina-se uma esfera de raio d (distância entre o objeto e a Terra) ao redor da fonte luminosa. Como a energia total por segundo atravessa toda a superfície da esfera temos:2, a luminosidade aparente é dada pela razão entre a luminosidade absoluta e a área da esfera:

=L4πd2

Essa relação, conhecida como Lei do Inverso do Quadrado da Distância, mostra que o brilho observado diminui proporcionalmente ao quadrado da distância entre o objeto e o observadorPartindo da Lei do Inverso do Quadrado, isolamos :

d

d=L4πF
Para objetos de mesma luminosidade intrínseca, d é inversamente proporcional à raiz quadrada do fluxo medido.

É importante notar que os Astrônomos utilizam uma escala logarítmica para brilho, definindo magnitude aparente () e magnitude absoluta (). A diferença  é o módulo de distância, relacionado a  por:
dmMM

m

mM=5log10(d10 pc)

Rearranjando, obtemos:


d=10(mM+5)5 parsecs (pc)
Mas afinal de contas, o que é essa magnitude? magnitude astronômica é uma escala que mede o brilho dos objetos celestes conforme observados da Terra. Desenvolvida inicialmente pelo astrônomo grego Hiparco no século II a.C., a escala foi modernizada no século XIX para incorporar medições precisas de fluxo luminoso. A magnitude aparente () quantifica o brilho de um objeto como visto da Terra, enquanto a magnitude absoluta () descreve o brilho intrínseco do objeto, ou seja, como ele apareceria se estivesse a uma distância padrão de 10 parsecs (≈32,6 anos-luz). 
podemos calcular a magnitude absoluta da seguinte forma: 

                    M=mlog10(d)+5

Onde d é a distância em parsecs.

O Método de Medição de Variáveis Cefeidas

As estrelas variáveis Cefeidas ocupam um lugar central na astronomia por sua capacidade única de atuar como "faróis cósmicos", permitindo aos cientistas medir distâncias intergalácticas com precisão. Sua relevância histórica e técnica remonta ao início do século XX, quando a astrônoma Henrietta Swan Leavitt descobriu uma relação fundamental entre o período de pulsação dessas estrelas e seu brilho intrínseco. Essa correlação, conhecida como relação período-luminosidade, tornou-se a base para calibrar a Escala de Distâncias Cósmicas, conectando medições locais dentro da Via Láctea a galáxias remotas.

As Cefeidas são estrelas gigantes ou supergigantes que pulsam radialmente, expandindo e contraindo-se em ciclos regulares que variam de dias a meses. Durante cada ciclo, seu brilho observado flutua de forma previsível, criando uma curva de luz característica. O mecanismo físico por trás dessas pulsações está ligado a instabilidades na ionização do hélio em suas atmosferas: quando o hélio está duplamente ionizado (He²⁺), a opacidade da camada externa aumenta, aprisionando a radiação e causando expansão. À medida que a estrela se expande, o hélio perde energia e se recombina (He⁺), reduzindo a opacidade e permitindo que a radiação escape, o que desencadeia uma contração. Esse ciclo se repete, gerando variações periódicas no brilho.

A chave para o uso das Cefeidas como indicadoras de distância reside na relação descoberta por Leavitt em 1912. Analisando centenas dessas estrelas na Pequena Nuvem de Magalhães (todas aproximadamente à mesma distância da Terra), ela observou que aquelas com períodos de pulsação mais longos eram intrinsecamente mais brilhantes. Matematicamente, essa relação é expressa como:

M=2.78log10(P)1.35

onde M é a magnitude absoluta (brilho intrínseco) e P é o período de pulsação em dias. Uma vez que o período P pode ser medido diretamente a partir da curva de luz, a magnitude absoluta M é derivada, e a distância d é calculada usando o módulo de distância:

mM=5log10(d)5

Aqui, m é a magnitude aparente (brilho observado), e d é a distância em parsecs.

A aplicação prática desse método exige calibração cuidadosa. Inicialmente, a relação período-luminosidade foi ajustada usando Cefeidas próximas, cujas distâncias foram determinadas por paralaxe trigonométrica. Com o advento de missões como o telescópio espacial Hubble e o Gaia, medições de paralaxe com precisão de microarco-segundo permitiram refinar a calibração, reduzindo incertezas sistemáticas. Além disso, observações em múltiplos comprimentos de onda (como infravermelho) ajudam a corrigir efeitos de extinção interestelar a absorção da luz pela poeira cósmica que podem subestimar o brilho aparente.

Um marco decisivo ocorreu na década de 1920, quando Edwin Hubble identificou Cefeidas na Galáxia de Andrômeda. Ao medir suas distâncias, ele demonstrou que Andrômeda era uma galáxia independente, fora da Via Láctea, encerrando o debate sobre a natureza das "nebulosas espirais". Mais recentemente, Cefeidas foram cruciais para determinar a Constante de Hubble (H0), que quantifica a taxa de expansão do universo. Discrepâncias entre valores de H0 derivados de Cefeidas e outros métodos (como a radiação cósmica de fundo) geraram a chamada "tensão na Constante de Hubble", um dos maiores enigmas da cosmologia moderna.

No entanto, o método não está livre de desafios. A relação período-luminosidade depende levemente da metalicidade (abundância de elementos pesados) da estrela, exigindo ajustes para populações estelares distintas. Além disso, a detecção de Cefeidas em galáxias muito distantes torna-se limitada pela resolução dos telescópios, já que as estrelas individuais se confundem com o brilho coletivo de suas galáxias hospedeiras. Para contornar isso, técnicas como a observação de "regiões de flutuação de brilho" em galáxias próximas são empregadas, correlacionando flutuações de luminosidade com a presença de Cefeidas.


Indicadores De Distância Secundários

Os indicadores primários de distância, como as Cefeidas, não são suficientemente brilhantes para medir objetos em redshifts elevados (z > 0,03), onde a velocidade de expansão cósmica domina sobre os movimentos locais das galáxias. Para isso, são necessários indicadores secundários, mais luminosos, como galáxias inteiras ou supernovas (que rivalizam em brilho com galáxias).

Antes do Telescópio Espacial Hubble, as Cefeidas só podiam medir distâncias até alguns milhões de parsecs (Mpc), restritas ao Grupo Local (Via Láctea, Andrômeda e galáxias próximas) e grupos vizinhos. Isso limitava a calibração de galáxias e supernovas distantes, exigindo indicadores intermediários, como aglomerados globulares ou estrelas mais brilhantes de galáxias.


Referências Bibliográficas 

  1. CARROLL, Bradley W.; OSTLIE, Dale A. An Introduction to Modern Astrophysics. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2017.

  2. SCHNEIDER, Peter. Extragalactic Astronomy and Cosmology. 2. ed. Berlin: Springer, 2015.

  3. WEBB, Stephen. Measuring the Universe: The Cosmological Distance Ladder. Berlin: Springer, 1999.

  4. WEINBERG, Steven. Cosmology. Oxford: Oxford University Press, 2008.

  5. WEINBERG, Steven. The First Three Minutes: A Modern View of the Origin of the Universe. New York: Basic Books, 1993.



m











Nenhum comentário:

Postar um comentário

O Destino Final do Universo