segunda-feira, 3 de março de 2025

O Big Bang: Uma Jornada Cósmica para Entender Nossas Origens

 O Big Bang: Uma Jornada Cósmica para Entender Nossas Origens

Por Lorran Batista Gonzaga


Imagine que você, em uma noite fria de inverno decide  encontrar um livro antigo empoeirado em sua estante para fazer uma leitura profunda e introspectiva. Ao encontra o livro e abri-lo, você descobre que as primeiras páginas estão faltando. A história começa abruptamente,  sem contexto, sem explicação, o protagonista já passou por maus bocados e você não sabe o que está acontecendo no decorrer da história. Essa é, em muitos aspectos, a situação da humanidade diante do universo. Por milênios, perguntamo-nos: De onde viemos? Como tudo começou? A teoria do Big Bang é nossa tentativa mais bem-sucedida de escrever aquelas páginas perdidas do livro cósmico.

A teoria do Big Bang descreve a origem e a evolução do Universo a partir de um estado inicial de condições extremas. De acordo com esse modelo, tudo o que conhecemos  matéria, energia, espaço e até mesmo o tempo emergiu de uma singularidade primordial, um ponto de volume infinitesimal, grandes temperaturas e  grande densidade. A partir desse momento inicial, o Universo iniciou uma expansão acelerada, que persiste até hoje, dissipando calor e diminuindo sua densidade à medida que se expande. Com sólido respaldo observacional, como a radiação cósmica de fundo e o afastamento das galáxias, o Big Bang permanece o marco teórico mais aceito pela cosmologia para explicar não apenas a formação dos elementos cósmicos, mas também o próprio surgimento do tecido espaço-temporal há aproximadamente 13,8 bilhões de anos.


 Quando a Ciência Encontrou a Filosofia

Como ensina Aristóteles em sua Obra 'sobre a Alma', o homem tem por essência a busca do saber. Deste modo, o homem, desde as civilizações antigas, sempre olhou para o céu com o intuito de buscar o conhecimento de suas origens, do ser criador de tudo e para fins mais práticos como por exemplo,  a agricultura.   A ideia de que o universo teve um início não é nova. As Mitologias ancestrais já descreviam caos primordial dando lugar à ordem.  A filosofia Aristotélica nos dava a ideia do motor imóvel que, se bem analisada, traz uma ideia de inicio do movimento. Mas foi no século XX que a ciência Física transformou essa intuição em teoria robusta.

Einstein e o Universo Estático: Um Erro que Mudou Tudo


Em 1915, Albert Einstein revolucionou a física com a Teoria da Relatividade Geral, descrevendo a gravidade como a curvatura do espaço-tempo. Porém, ele acreditava em um universo estático e eterno. Para manter esse modelo, tendo em vista que Einstein precisava explicar o motivo do universo não colapsar,  introduziu na equação uma "constante cosmológica" (Λ), uma força repulsiva que contrabalançava a gravidade. Anos depois, Einstein chamaria isso de "o maior erro de minha vida". Anos depois, essa  constante que o Físico chamou de erro, continua sendo considerada no modelo cosmológico, mas de uma forma observacional um pouco diferente A constante possui basicamente o mesmo comportamento da famosa  Energia escura. 

Friedmann e Lemaître: Os Visionários


Enquanto Einstein insistia no universo estático, dois cientistas trabalhavam nas sombras. O russo Alexander Friedmann (1922) e o belga Georges Lemaître (1927) resolveram as equações da relatividade sem a constante Λ e descobriram algo chocante: o universo está se expandindo.

Foi Lemaître, padre e físico, quem deu o passo crucial. Em seu artigo "Um Universo Homogêneo de Massa Constante e Raio Crescente", ele propôs que, se o universo se expande, no passado ele deve ter sido infinitamente denso e quente  um "átomo primordial". Sua equação fundamental, derivada da relatividade geral, descrevia essa expansão:

H2=(a˙a)2=8πGρ3ka2+Λ3

Onde:

  • H: Parâmetro de Hubble (taxa de expansão)

  • a(t): Fator de escala do universo (como seu "tamanho")

  • ρ: Densidade de matéria e energia

  • k: Curvatura do espaço

  • Λ: Constante cosmológica

Essa equação, hoje conhecida como Equação de Friedmann-Lemaître, é o alicerce da cosmologia moderna. Mas na época, foi ignorada. Até que um astrônomo obstinado entrou em cena. É importante lembrar que essa é uma versão modificada da equação, para levar em conta a constante cosmológica ou energia escura.

Inflação Cósmica

A inflação é um período de expansão acelerada que ocorreu entre 10⁻³⁶ e 10⁻³² segundos após o Big Bang. Durante esse intervalo, o universo expandiu-se em um fator de pelo menos 10²⁶ vezes (um número seguido de 26 zeros!). Para entender a escala, imagine esticar um grão de areia até o tamanho da Via Láctea em menos de um piscar de olhos.
A necessidade da inflação surge de quebra-cabeças que a teoria clássica do Big Bang não conseguia resolver. Por exemplo, como regiões do universo separadas por bilhões de anos-luz têm a mesma temperatura, se nunca tiveram tempo de trocar calor? Como a geometria do cosmos é tão incrivelmente plana, quase perfeita, se o destino natural de um universo em expansão seria se curvar como uma folha de papel amassada? A resposta veio de físicos como Alan Guth, que nos anos 1980 propuseram que, antes mesmo que as partículas elementares ganhassem massa ou a luz começasse a viajar, o espaço em si passou por uma fase de crescimento exponencial. Nesse período, qualquer irregularidade ou curvatura foi esticada até a suavidade, como uma ruga em um tecido que desaparece quando puxamos suas bordas.

Hubble e a Descoberta que Abalou o Mundo


 No início do século XX, a comunidade científica acreditava que o Universo era imutável , um cenário estático, sem expansão ou contração. Essa visão começou a ruir na década de 1920, quando o astrônomo Edwin Hubble aplicou uma técnica desenvolvida por Henrietta Leavitt para calcular distâncias até objetos celestes distantes. Ao analisar o desvio para o vermelho (redshift) na luz desses corpos, Hubble conseguiu medir suas velocidades de afastamento. Em seguida, comparou esses dados com as distâncias estimadas e fez uma descoberta revolucionária: a velocidade de recessão das galáxias aumentava proporcionalmente à sua distância em relação à Terra

v=H0d

Onde:

H0 é a constante de Hubble dependente do tempo.
D é a distancia do objeto. 
v é a velocidade de afastamento.
  A descoberta foi a primeira evidência observacional da expansão do universo e corroborou as equações de Lemaître de que o universo estava em expansão e por conseguinte, um dia foi infinitesimal, muito denso e muito quente.

A Radiação Cósmica de Fundo

 Uma das mais estudadas comprovações  da inflação cósmica é a chamada radiação cósmica de fundo (CMB).  consideramos , na cosmologia, a CMB como uma espécie de fotografia do universo em seu inicio.  Na década de 1940, físicos como George Gamow, Ralph Alpher e Robert Herman propuseram que, se o universo tivesse se originado de um estado extremamente quente e denso (o Big Bang), os resquícios dessa explosão primordial deveriam existir na forma de radiação térmica, resfriada pela expansão do cosmos ao longo de bilhões de anos. Eles previram que essa radiação, inicialmente emitida como luz visível, teria seu comprimento de onda esticado até as micro-ondas devido à expansão contínua do universo, resultando em uma temperatura atual próxima de 3 Kelvin (-270°C).
Em 1964, os engenheiros Arno Penzias e Robert Wilson, dos Laboratórios Bell, nos EUA, trabalhavam em um projeto de comunicação via satélite quando detectaram um "ruído" persistente em seu radiotelescópio. Após eliminar possíveis fontes de interferência (incluindo fezes de  pombos na antena ), eles perceberam que o sinal vinha uniformemente de todas as direções do céu. Paralelamente, o físico Robert Dicke e sua equipe em Princeton buscavam justamente essa radiação predita pela teoria do Big Bang. Quando os grupos se conectaram, ficou claro: Penzias e Wilson haviam descoberto a CMB. Em 1978, eles receberam o Prêmio Nobel de Física pela descoberta. Por ironia da história da ciência, uma das maiores descobertas da cosmologia foi feita de forma acidental. 

A confirmação definitiva de que a CMB era um "fóssil" do Big Bang veio com o satélite COBE (Cosmic Background Explorer), lançado pela NASA em 1989. Seus dados, divulgados em 1992, mostraram que o espectro da CMB corresponde quase perfeitamente ao de um corpo negro (radiação térmica) a 2,725 K, conforme previsto. Além disso, o COBE detectou minúsculas anisotropias (variações de temperatura de ~0,001%) na radiação, sementes das futuras galáxias e estruturas cósmicas.

Missões posteriores, como o WMAP (Wilkinson Microwave Anisotropy Probe, 2001) e o Planck (Agência Espacial Europeia, 2009), mapearam essas flutuações com precisão inédita. Esses dados permitiram calcular a idade do universo (13,8 bilhões de anos), sua composição (cerca de 5% de matéria comum, 27% de matéria escura e 68% de energia escura) e confirmar a aceleração da expansão cósmica.


Conclusão


A teoria do Big Bang não é apenas um modelo científico sobre a origem do universo; ela é um convite à humildade e busca pelas origens. Ao revelar que somos parte de uma história cósmica de 13,8 bilhões de anos, ela nos confronta com perguntas que transcendem a física: Por que existe algo em vez de nada? Qual é o lugar da consciência humana nesse vasto teatro cósmico? É aqui que a filosofia se torna indispensável.

Incorporar a filosofia à discussão sobre o Big Bang não significa misturar ciência com especulação, mas reconhecer que as grandes descobertas científicas sempre carregam um núcleo de inquietação humana. Georges Lemaître, padre e físico, personificou essa síntese. Enquanto suas equações descreviam a expansão do universo, sua reflexão filosófica o impediu de reduzir o cosmos a meras fórmulas. Para ele, a ciência respondia ao "como", enquanto a filosofia e a espiritualidade sondavam o "porquê".

A filosofia também nos protege do reducionismo. Ao lembrar que toda teoria , incluindo o Big Bang, é uma construção humana, sujeita a revisões, ela nos ensina a lidar com o desconhecido. Afinal, o que havia "antes" do Big Bang? Por que as constantes universais têm valores tão precisos? Essas questões não invalidam a ciência; pelo contrário, elas ampliam seu horizonte, mostrando que a busca pelo conhecimento é, em essência, uma jornada de significado.

Além disso, a filosofia humaniza a ciência. Ao contar a história do Big Bang, não falamos apenas de partículas e redshifts, mas de pessoas: Hubble medindo galáxias, Penzias e Wilson perseguindo um "ruído" irritante, Lemaître conciliando fé e razão. São dramas humanos, cheios de dúvidas e epifanias, que nos lembram que a ciência é feita por mentes curiosas  e que a curiosidade, por si só, já é um ato filosófico.



Referências Bibliográficas



  1. GREENE, Brian. O Tecido do Cosmos: O Espaço, o Tempo e a Textura da Realidade. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

  2. FERRIS, Timothy. O Todo e a Parte: Uma História da Cosmologia. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

  3. GRIBBIN, John. Em Busca do Big Bang: A História da Origem do Universo. 1. ed. São Paulo: Ediouro, 2000.

  4. HAWKING, Stephen. Uma Breve História do Tempo: Do Big Bang aos Buracos Negros. 1. ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015.

  5. SINGH, Simon. Big Bang: A Origem do Universo. 1. ed. São Paulo: Record, 2006.


  1. WEINBERG, Steven. Os Primeiros Três Minutos: Uma Visão Moderna da Origem do Universo. 2. ed. São Paulo: Editora UnB, 2015.


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